sexta-feira, dezembro 18, 2009

O amor

Meu amor não vem; pois há chuva.
As águas podem borrar-lhe os seios mornos.
As gotas podem afogar-lhe o ventre manso.

Meu amor não vem. Por que chove?
Os trovões, os relâmpagos, o céu escuro
fazem meu amor delirar, esconder-se.

O amor não vem, porque não há.
O amor esfarelou-se, areia branda.
O amor dançou sozinho nas trincheiras.

Meu amor não vira. Duro está.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

Sobre a palavra

As palavras não são como putas, que,
com alguns (versos) trocados,
as colocamos na posição que quisermos.

A palavra não deve ser forçada à rima.

O poeta é como um alfaite: tira as medidas,
ajusta, corta, costura.
Quem escolhe o tecido e o modelo é a palavra.

A palavra não deve ser escrava do poeta.

As palavras não estão nas prateleiras, em mercados.
Não basta pegarmos, colocarmos numa cesta
E juntá-las, ao final. Não se compra poesia.

A palavra não deve ser feita à poesia.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Poema inacabado

Acendo um cigarro triste.
A manga da camisa cansada
Evidencia mais um dia de trabalho vermelho.
Ando pela rua vazio.
Garoa.
O tempo fechou-se indiferente.
Pelas calçadas mancas
operários deitam-se maquinados.
Ando pela rua, vadio.
Garoa.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Fragmentos.

Para quem quer se soltar invento o cais,
Invento mais que a solidão me dá.
Invento lua nova a clarear,
Invento o amor e sei a dor de me lançar...
Eu queria ser feliz,
Invento o mar,
Invento em mim o sonhador.
Para quem quer me seguir eu quero mais!
Tenho o caminho do que sempre quis,
E um saveiro pronto pra partir.
Invento o cais
E sei a vez de me lançar.

(Cais - Milton Nascimento)

domingo, dezembro 06, 2009

quinta-feira, dezembro 03, 2009

Súplica à Nossa Senhora das Cabeças

Nossa Senhora das cabeças,
Cortai as nossas!
Salve, Maria, só a dos poetas
Ora por nós, ora por eles.
Senhora, minha algoz
Dai logo a sentença!
Pois, se não valhe por nós,
Que nos valha a guilhotina.
Senhora, que os rostos expurguem
Todo o sofrimento desses tempos.
Que os céus ouçam o tilintar das lâminas.
E tu, Ó santa, intercedei por nós
Junto aos ratos que roerão nossas bocas.
Falai por nós, que já perdemos a palavra.
E Cortai, Nossa Senhora, as Cabeças.

sábado, novembro 21, 2009

Alguma nota introdutória, para algum poema perdido.

Talvez não chegue tão longe. Tenho forte receio de não ser o que faço, muito menos o que penso ser. Não tenho escrito nada. Perdi a mão, como se diz. Creio mesmo nunca ter escrito nada. Alguns esboços, outros rabiscos, céus onomatopéicos, dias quaisquer... Não precisa de muito para ser pouco. Não participei de um gênero literário e, às pressas, tenho feito uma poesia idealista. Dizem-me que "é fase". Às favas! Me falta alguma "ânima poética". Algum des-sentido coerente. Tenho emboscado o delírio. Qualquer coisa assim:


Um poema à beira da loucura
Cinge um rosto, um pranto,
E abriga uns fuzis desconsolados
Que de sangue fazem um manto:
Nas pátrias os soldados
Nos biombos e barricadas, 
Trincheiras e toucadores
O que se vê, são só horrores,
Nas praças, calçadas
À falta de amores 

Morrem homens desnudados.  

Um poema à um passo da mentira.
Tanta poesia, se me vira, 
de desgosto se fartará.


domingo, outubro 11, 2009

Fragmentos.

Vento que vem de toda parte. Dando no meu corpo, aquele ar me falou em gritos de liberdade. Mas liberdade — aposto — ainda é só alegria de um pobre caminhozinho, no dentro do ferro de grandes prisões. Tem uma verdade que se carece de aprender, do encoberto, e que ninguém não ensina: o beco para a liberdade se fazer. Sou um homem ignorante. Mas, me diga o senhor: a vida não é cousa terrível? Lengalenga. Fomos, fomos.

(Grande Sertão: Veredas)

segunda-feira, outubro 05, 2009

Cama

Minha cama é um istmo ligando nossos corpos.
As cordilheiras levantadas pelo lençol
são frias quando não estás.
Cubro-me de solidão,
de ébrios firmamentos,
de vagas celestes.
Mas, amor, se surges como o sol de um dia intenso,
Como a brisa de uma manhã estrangeira,
Meu peito se alegra - náufrago em amores.
Um colchão arquipelado de sentimentos inundados,
Travesseiros como montanhas a tua espera,
Um mundo de corpos se encontrando.
Vem, na penumbra dos meus sentidos, fazer luz e som.

segunda-feira, agosto 24, 2009

Fragmentos.

ôtro dia mi preguntáro si eu j'andava cansadu di vivê. Tevi épuca que u póbri di mim mi atrasava consumido. Eu ficava sem competênça di querê vivê, tamanhu sufrimentu. O sertão me produz, adispois mi inguliu, adispois mi cuspiu do quinto da boca. Eu fui indurecêno às pressa mas sem nunca perdê a ternura. Inquantu existí us arvorêdo, as floresta viva i selvage, inquantu existí a mão boa pra cuidá du côru da terra cum amô, com alegria, com responsabilidade, eu tô em riba dessa terra, acreditando no futuro desse país. Vambora nóis tudo desse tempo iscuro, ingatinhandu no iscuru. A dor é comu relâmpagu queimandu as ponta di ispinho, assusta a gente no iscuru, mas alumeia, alumeia, alumeia us caminhu...
(Saulo Laranjeira - Zé da Silva)

sexta-feira, agosto 07, 2009

Fecha a porta
Na
Cara
Das
Minhas
Palavras.
Pelo olho mágico, alguma infiltração faz escorrer água.
No buraco da fechadura,
Tem espaço que é seu.
Eu insisto em bater.
Você está.
Abre pra mim?

sábado, agosto 01, 2009

Fragmentos.

São 6:11h da manhã. Acordei de súbito e não consegui mais dormir. Faz uns vinte minutos. Fiz um café médio e pouco adoçado: minha especialidade. Meus pais saíram. São sempre muito barulhentos ao sair, talvez por isso eu deva ter acordado. São estranhos à mim, as vezes. Adoráveis estranhos. Poderiam ser vizinhos, quem sabe. Dia primeiro de Agosto. Hoje completo um ano de namoro. Há um ano atrás naquele cinema minha vida mudou. Mudará mais. O silêncio na rua é constrangedor. Me esqueço que Cuiabá é ainda uma cidade pequena. Os pássaros ainda cantam e o mercado municipal está lotado: pessoas procuram por peixes, frutos e raízes. O dia já nasce entediado. Seleciono músicas de uma banda que não consigo parar de ouvir. O cheiro do café, da vida nova, do dia primeiro de Agosto. Lembranças. Me perco dentro de mim mesmo. Me confundo com coisas que sou e que gostaria de ser. Sou o sed non satiato. E a xícara de café realça o negrume do vício.

sábado, julho 25, 2009

Rei

Serei sempre serão?
será o céu sem sol,
essa situação?
Sinto o soco, solto o sonho.
Serei sempre só?
selo sagrado, címbalo sem som.
Se-rei.

Er-rei.

domingo, junho 28, 2009

Sobre mim

Carta exposicional e proposital acerca de Renan Marx – um ano depois.

Há exatamente um ano atrás escrevi uma carta como essa. Decidi reconstruí-la, pois percebi que muita coisa, talvez uma vida inteira mude em um ano. Continuo não sendo dado a falar sobre mim, mas senti essa necessidade. Daqui a um mês completo vinte e um anos e temo que esteja indo às vias de fato da “adulteza”.
Me chamo Renan Marques Mateus, mas optei pelo sobrenome Marx, num tom artístico. Não o adquiri por questões políticas ou sociais como associam: a escolha foi pura questão de estilo.
Sou cuiabano de "chapa e cruz" como dizem por aqui. Nasci em Cuiabá e nunca morei em outro lugar. Nunca me mudei, nem de casa. Assim que a oportunidade surgir vou para um lugar frio, ou não. Talvez Curitiba, ou Goiás velho, ou Minas, sei lá.
Sou leonino com ascendente em capricórnio e lua em aquário (pra mim é irrelevante, agora. Decidi não mais acreditar em signo, creio que nós somos muito mais ilimitados).
Me considero um projeto de ator; um quase-poeta; um músico frustrado e um aluno mediano. Faço Letras. Quero um mestrado em Ecolinguística porque vejo a importância do meio ambiente nos processos culturais. Mexo com arte desde os meus 14 anos de idade e pretendo me especializar um dia em cultura popular brasileira. Sou ex integrante do Coral CEFET-MT. Pretendo trabalhar com construção de instrumentos alternativos e aulas de bibliotecagem junto ao pessoal da Resistência Popular - um coletivo social. Integro um grupo chamado Canteiro de Obras, responsável pelo sarau de Letras e responsável por fazer outros saraus.
Não sou um cara fácil de lidar, sou chato. Gosto de política, e gosto ainda mais de discutir política. Realmente gosto de discutir. Sou apartidário. Me encanto muito mais com a subversão de alguns grupos do que com a fala bonita de um político. Não acredito mais em políticas públicas. Não sou consumista, nem pretendo mudar o mundo. Não sou apegado ao dinheiro e não quero ter uma casa caríssima e luxuosa. Não sinto a necessidade de ter um carro do ano e nem de tomar Romanée-Conti no almoço.
Sou vegetariano, e integro o grupo vegcuiabá. Parei de comer carne logo que voltei do Fórum Social Mundial. Mas não sou fundamentalista e estou aberto pra discussão. Já havia sido vegetariano por um tempo, mas voltei a comer carne. Não sou vegetariano por ser tendência, mas por questões sociais e políticas (durmo de consciência limpa, por isso).
Tenho bons amigos e muito do que sou devo a eles. Eu não preciso de muita coisa, mas preciso essencialmente dos meus amigos. Estou afastado da maioria e peço perdão. Estamos sempre juntos, mesmo que não fisicamente. Amigo é uma coisa que aparece bem quando a gente precisa, como salva-vidas. Espero ser um bom amigo, apesar da displicência dos últimos tempos.
Gostava de viajar, mas agora nem tanto: descobri uma coisa chamada “saudade de quem se ama” e as viagens não são mais tão importantes. Acho que eu gostava de viajar porque era uma espécie de fuga de mim mesmo. Agora só quero estar em mim mesmo. É estranho perceber como as coisas mudam. Ainda quero conhecer o mundo, mas se conhecer pelo menos a América Latina, já está de bom tamanho.
Sou cristão. Me “converti” no dia 23 de novembro do ano passado. Me perguntam porquê. Eu responderia com o ditado “o bom filho à casa torna”. D’us é meu alter ego. É a parte limpa em mim. Agora integro a Vinde, um ministério com visão celular. Gosto de lá porque me acolheram bem. Gosto das pessoas de lá porque não me apontam o dedo pra julgamentos. Acho que nunca deixei realmente de crer em D’us. Vi uma frase boa, dia desses: “Não crer em D’us é não permitir-se sonhar”. Acho que é isso. Acho que o cristianismo está meio torto, mas creio em Yeshua e no amor dele, sobretudo no amor dele. Não suporto discutir religião. Tenho amigos ateus e aprendo muito com eles, mas as diferenças são necessárias.
Não bebo, embora já tenha bebido muito. Não parei de beber por ter “virado crente”. Parei de beber depois que li “anarquia e álcool” (sim, eu gosto do anarquismo). Parei de fumar, também. A gente percebe o quanto ganha só depois que para. Faz mais de três meses que não fumo, ou bebo.
Sou flamenguista, mas não assisto futebol com frequência. Andei correndo por uns tempos: a única prática esportiva que acho interessante. Mas por problemas, tive que parar, talvez eu volte. Ando muito a pé, isso deve compensar alguma coisa. Jogo bozó, e queria ser um bom enxadrista, mas falta-me vontade.
Me acho um cara feio. Não gosto de "balada" e gosto menos ainda dessa palavra. Não tenho gostado de sair. Parece que Cuiabá ficou pequena e enfadonha. Me sinto meio velho, deveria ter uns 50 anos.
Gosto de MPB e gosto de rock. Gosto de Chico a Tom Zé, Bethânia à Aydar. Gosto de HC, mas meus gostos variam com o tempo. Ainda tenho discos de death, mas também tenho coisas do Fagner. Gosto de poesia, e vivo poético. Gosto de filmes de drama, e abomino terror e comédia com o ed murphy.
Não sou popular, não falo inglês, não uso roupas da moda nem falo gírias interessantes. Tenho dificuldade em conhecer gente nova e poucos gostam de mim à primeira vista. Títulos: tento fugir deles, mas não consigo. Não faço academia, não uso nike, nem tenho letras japonesas tatuadas no braço. Uso alargadores, meu cabelo está crescendo e tenho uma tatuagem na nuca com duas letras em hebraico.Vou fazer outras tatuagens em breve. Não, não sou revoltadinho, nem rockeiro, nem “bad pride”.
Já fiquei mal por amor, mas agora vivo a melhor fase da minha vida. Deixei essa parte pra falar por último propositalmente: tudo que eu escrevi anteriormente tem parte dela. Namoro há dez meses (dia primeiro agora fará onze meses). Pretendo me casar com ela em 2011 (talvez eu precise escrever outra carta nesse ano). Teremos filhos: ou Arthur, ou Ana Júlia (ou os dois, quem sabe?). Lorraine é a garota a quem dedico meus dias e horas. É quem me faz crescer interiormente. É ela que me arranca suspiros e sorrisos bobos. Pode parecer “encebação” (como já disseram por aí), ou coisa do tipo, mas é sério. Lorraine é um todo em mim. Agora, tudo o que faço é pensando na gente, gosto disso. Sempre fracassei em relacionamentos. Nunca passaram de três meses. Isso me faz crer que “estou no caminho certo” dessa vez. Amadureci, e com isso estou entrando no ciclo natural de vida: daqui a pouco vem o casamento, depois filhos, depois envelhecer juntos, como prevemos. Não é algo distante, é algo construído dia após dia. O que me faz “andar sobre as águas”, o que me faz crer que seremos muito felizes juntos futuramente, é que já somos agora (talvez eu deva escrever uma carta há daqui quinze anos, pra confirmar isso). Nós nos fazemos um bem danado, e isso só cresce. E se eu falo entusiasmado e ofegante, é porque é assim que está sendo e que deve ser.
Acho que disse tudo, ou não, sei lá. O que eu sei é que em um ano muita coisa muda, por mais que não percebamos. Sou um experimento de mim mesmo e isso reflete nas coisas que escrevo. Enfim.

...............................................................Cuiabá, 28/06/09

sábado, junho 27, 2009

.

Frio.
A rua lânguida é incoerente.
Um homem me olha da esquina da miséria,
tem um corpo ressabiado e um peito medroso.
Atravesso pormenores e me instalo rumo ao céu.
Há um homem que me olha em sua calçada suja:
tem um corpo pobre, um peito pobre e
Frio.

segunda-feira, junho 22, 2009

Vestido

Móvel vestido agridoce,
dançando entre móveis.
Ela fica bela fica aqui?
Tinha vestido o verde cetim,
beleza sem fim,
Talvez tido sim.
Vês
Tal moça?
Tão bem me faz.

quinta-feira, junho 11, 2009

Rascunho

Vais assim, evidenciando respostas.
Longe, sinto teus pulsos abertos pras minhas euforias,
os meus revogados sentimentos.
Te encontro beira-céu, num dia só, de árvores balançadas.
Tuas mãos, se me espalmam carinhos, são leves e remediais.
Meus olhos incoerentes resvalam meus desejos.
Te encontro só, num dia beira-céu, de árvores figuradas.
Minha boca te chama, irresponsável criança. Você não está.
Entre meus becos, ruas sem saída. Entre e fique à vontade.

Favela

pra favela
sobra farelo,
sob o castelo dos homens de poder.
Sobre a fivela que aperta o cinto,
não há o que dizer.
pro farelo, esfavelado.

segunda-feira, junho 08, 2009

Poema Queimado

Ao amigo poeta

Fogo!
no cinza do tempo,
abrasa as palavras.
Abraça.
Fumaça invadindo o poema,
sujo dilema, vida embaçada.
Sufoca, se foca no céu concreto
de duras penas.
Poema queimado em chamas choradas.
Chamas por alguém
- que não virá.
Vi ira nos olhos, viria com olhos, vi: ria
pros olhos.
Fogo...

terça-feira, junho 02, 2009

Fragmentos

"Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura."

-Caio Fernando Abreu

sexta-feira, maio 22, 2009

Desesperanto

tanto desespero
é um desespero e tanto,
desesperanto,
a língua quedou-se em pranto.
a vida, palavra em canto,
tanto espero, santo
esmero.
Desesperando um brando despertando.

quinta-feira, maio 21, 2009

Peça de amor

a vida me pregou uma peça:
um amor pregado, uma prece.
Uma posse, um poço fundo
que a gente não vê a-raso.
A vida pregou que peça e receba.
Peço, qual o preço?
ávida responde:
"um amor se costura com linha sem nó."
Ora, veja só:
um amor amarrado, é errado amor.
Não se paga pelo colo,
nem se apaga pelo polo.
Amor é ponta de faca furando o desejo,
vejo aqui uma
solução:
se há amor, não tem pressa.
É peça que a vida pregou.

segunda-feira, maio 18, 2009

poema Com-(de)creto de amor

dois copos nus
corpos nas
capas.
Rei de copas,
errei tuas cartas.

Nossos peitos entrejuntados,
nossas mãos entrecortadas,
nossos olhos entre, fique a vontade.

No sofá roxo-sala(da), somos uns e outros.
No escuro das noites termogênicas, sono & amor.

sexta-feira, maio 01, 2009

O trabalho

Um sol fraudulento
se fixava no céu,
com seu habeas corpus.
Era um dia trabalhoso
de sombras verticais
e verdes constrangidos.
Eram animais conflituosos e
águas turvas.
Então veio o homem, com seus costumes,
seus ideais, sua mulher com seus cremes,
seus perfumes, suas vidas.
No firmamento que não era firmamento, o Homem descansou:
Era um feriado pro trabalho.

Fragmentos

Os olhos tristes da fita
Rodando no gravador.
Uma moça cosendo roupa
Com a linha do Equador.
E a voz da Santa dizendo:
- O que é que eu tô fazendo
Cá em cima desse andor?

A tinta pinta o asfalto,
Enfeita a alma motorista.
É a cor na cor da cidade,
Batom no lábio nortista.
O olhar vê tons tão sudestes
E o beijo que vós me nordestes
Arranha céu da boca paulista.

Cadeiras elétricas da baiana,
Sentença que o turista cheire.
E os sem amor, os sem teto
Os sem paixão, sem alqueire
No peito dos sem peito uma seta,
E a cigana analfabeta
Lendo a mão de Paulo Freire.

A contenteza do triste,
Tristezura do contente.
Vozes de faca cortando
Como o riso da serpente.
São sons de sins, não contudo
Pé quebrado, verso mudo
Grito no hospital da gente.

(Beradêro - Chico César)

sábado, abril 11, 2009

Fortaleza

No teu aguardo,
baixei minha guarda.
Nos meus portões, entrou solene
nos meus porões, era meu segredo.
Minhas torres te protegem,
Tua cavalaria é meu fronte.
Entra, suserana. Me curvo, vassalo.
Faz da minha coroa teu reinado,
das minhas vestes teu lençol,
do meu trono nosso descanso.
Entre dragões, cavaleiros e espadas,
nosso amor é uma fortaleza.

quinta-feira, abril 09, 2009

Haikai momentâneo

te roubo, engatilhando seus olhos.
São horas a fio, são horas finas
Atiro: minha boca te beija.

domingo, março 29, 2009

Tua natureza

Conheço a tua natureza:
teus olhos ensolarados,
tua respiração em brisa,
tua boca marulhando palavras.
Paro em tuas penínsulas:
você é meu continente.
Agora, deixe que te diga
antes que minhas nuvens denunciem
o que um corpo amplo numa ilha sentimental
silencia ao toque da noite:
entre tuas pedras, trilhas e flores,
caminho deixando pegadas em amor.

sábado, março 28, 2009

Haikai estrelado

Estrelas não voltam mais.
É um poema passado,
perdido entre vias públicas.

terça-feira, março 24, 2009

Enfim, outono.

Tem um céu desvairado
sobre as flores cotidianas;
sobre as árvores desavergonhadas;
sobre as grades e sombrais.

Tem um tempo descuidado
sobre as folhas descosidas;
sobre as águas de um velho mês;
sobre as vidas dos poetas.

Tem um dia conformado
sobre os céus loucos
sobre uns tempos outonais
sobre um dia de solstício.

quinta-feira, março 19, 2009

Amor

Então ponto. Me ama e pronto.
Me ponta, não conta?
Pronto. Me ama e nada mais.
Diz que (desa)ponto.
A declarar pronto.
Desfiz meus pontos.
Sangrei.
sã, pranto.
Estou pronto pra
amor, me ama e pronto.
Ponto.

terça-feira, março 17, 2009

de Feito

Feito um poema
que arfa palavras descompassadas.
Feito um samba,
uma bossa, que revoluciona meus íntimos e ritmos.
Feito um rock and roll,
mexendo com minha cabeça.
sê livre, poeta, ame.
Se livre, poeta, e ame.

Um outro suspiro perdido entre dedos.
Um invólucro matinal disfarçando a aurora.

Aí, o amor (perdido) entre palavras,
beira a astúcia e a paixão.

é feito um livre qui rêve d'écrire.

terça-feira, março 03, 2009

Poema sobre poema, a metáfase sentimental.

Tuas palavras de efeito
não são frases feitas
Tuas fases clichês
não são pra lavra de ouro.

E você escreve
como um corpo exerce
sobre avidas mãos escreve
com suas dores exerce
sobre asvidas escritas
ali é nada
alienada.

Tuas letras mur-MURADAS
te protegem, agem sobre ti
tim-tim.
Brindemos o blush que nos cora,
e nos escora a cara de pau.

domingo, março 01, 2009

poema

poema dos sete meses
feitos em tua homenagem
poema para as outras vezes
em que não tive coragem
de dizer o que eu tanto
queria falar no meu canto
poema dos sete meses

terça-feira, fevereiro 24, 2009

Distância

Em terra distante,
deteriora a hora deitada em
colo.
Enterra,
desmente,
derrete sob o sol fraco de inverno.
Diz da mente ardilosa, glória argilosa
Recato em tato em dó.
Retrato só.
Em terra diz tanto o que quanto quer?
colo.

Distância.

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Casa

Meus desejos de porcelanato, tuas vontades desinfetantes.
Meu coração amiantado, tuas palavras protegidas.
Meus beijos de cerâmica, seus beijos de ardósia.
Meus corpo é de barro para te cobrir.
Teu corpo - no caso de ser lajota - será sempre bem cuidado.
Usa detergente em mim. Telhas e tijolos sobre o amor.
Deito em teu acabamento. A tua mão de obra me impressiona.


No nosso jardim de inverno, os seixos combinam com as bromélias.


E assim, fazemos a casa. Comigo?

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Fica.

Então, fica assim:
te vejo pelos cantos dos meus olhos quadrados.
Então, fica assim:
te ouço pelas arestas do ouvido que só te identifica.
Assim, fica assim:
te toco, te sinto, te cheiro com minhas sobras em que sobram amores.

Então, fica.


Pra sempre.

Fica.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Fragmentos.

Hoje eu tenho cem anos e meu coração bate como um pandeiro num samba dobrado.


(Zeca Baleiro)

sábado, fevereiro 14, 2009

Fragmentos.

"(...)Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.(...)"

(Drummond - não se mate)







Agora sim, sem mais.

Fragmentos

"(...)De repente, a gente vê que perdeu, ou está perdendo alguma coisa morna e ingênua que vai ficando no caminho - que é escuro e frio, mas também bonito, porque é iluminado pela beleza do que aconteceu há minutos atrás"
(poema - cazuza)








Sem mais.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Fragmentos.

"(...)
escreve
bem no alto da primeira página
que não odeio os homens
que eu não agrido ninguém
mas... se me esfomeiam
como a carne de quem me despoja
e cuidado... cuida-te
de minha fome
e minha cólera."

(Carteira de Identidade - Mahmoud Darwich)

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Fragmentos

“Veio me dizer que eu desestruturo a linguagem. Eu desestruturo a linguagem? Vejamos: eu estou bem sentado num lugar. Vem uma palavra e tira o lugar de debaixo de mim. Tira o lugar em que eu estava sentado. Eu não fazia nada para que a palavra me desalojasse daquele lugar. E eu nem atrapalhava a passagem de ninguém. Ao retirar de debaixo de mim o lugar, eu desaprumei. Ali só havia um grilo com a sua flauta de couro. O grilo feridava o silêncio. Os moradores do lugar se queixavam do grilo. Veio uma palavra e retirou o grilo da flauta. Agora eu pergunto: quem desestruturou a linguagem? Fui eu ou foram as palavras? E o lugar que retiraram de debaixo de mim? Não era para terem retirado a mim do lugar? Foram as palavras pois que desestruturaram a linguagem. E não eu.”

(Manoel de Barros)